Por Andrew Korybko
As Duas Principais Hipóteses
O Donbass está à beira de uma grande desestabilização mais uma vez, no entanto, observadores estão em divergência sobre o que está realmente motivando os últimos eventos. Alguns acreditam que a questão é a política interna ucraniana e que o partido que governa Kiev pretende provocar uma crise regional a fim de desviar a atenção de sua popularidade em queda. As evidências em apoio a esta hipótese incluem a recente caça às bruxas do governo contra figuras da oposição e a suspensão draconiana de muitos veículos de mídia em língua russa no país. Zelensky também promulgou um decreto no final do mês passado que praticamente declara guerra à Rússia e ameaça explicitamente a Criméia. A outra teoria sobre serem ambições geoestratégicas regionais dos EUA é sustentada por sua odiosa declaração de apoio à Ucrânia, bem como pelos motivos preexistentes de Washington para desestabilizar a periferia ocidental de Moscou, o que levou a Rússia a prometer seu apoio aos portadores de passaporte russos no país. Ambas as teorias têm muita verdade para cada lado, mas ainda falta um componente crucial que poderia completar o quadro estratégico.
“Diplomacia da vacina”
Esse é o conceito do chamado “nacionalismo vacinal”, que se refere aos esforços dos países para promover suas vacinas contra a COVID-19 no exterior, ao mesmo tempo em que às vezes também frustram as mesmas tentativas de seus concorrentes. No contexto atual, a “diplomacia das vacinas” da Rússia de exportar a Sputnik V pelo mundo para salvar vidas, restaurar a economia, e também com o propósito suplementar de expandir sua influência multipolar está à beira de um sucesso global com potencial de virada de jogo depois que o site Politico relatou durante o fim de semana que “Mais países da UE fazem negócios em separado com a Rússia pela Vacina Sputnik”. Isto foi precedido apenas alguns dias antes por um relatório sobre como “Macron e Merkel discutem a cooperação em vacinas com a Russia”. A tendência inegável é que a Europa esteja aprendendo rapidamente que precisa mais da Rússia do que o contrário, apesar da pressão americana para convencê-los que não, o que explica por que a CNN anda tão preocupada, tanto que recentemente publicou um artigo alarmista sobre como “A Europa está dividida sobre aceitar ou não a ajuda de Putin nas vacinas”.
O Dilema do Donbass
É contra este contexto estratégico que a última desestabilização em Donbass está se desdobrando. Cada lado se acusa mutuamente por provocá-la, mas uma avaliação objetiva da situação sugere muito fortemente que nem a Rússia nem os rebeldes russos da Ucrânia Oriental são responsáveis. Afinal, eles têm tentado implementar pacificamente os Acordos de Minsk nos últimos anos, mas é Kiev, apoiada pelos EUA, que tem obstinadamente se recusado a fazer qualquer progresso tangível nessa direção, tanto por razões nacionalistas como por aquelas relacionadas às ambições geoestratégicas regionais americanas, como foi argumentado anteriormente. A Ucrânia também está sendo esmagada pela pandemia da COVID-19, mas não está recebendo nenhuma ajuda real de seu “aliado” americano, e é por isso que alguns no país olharam para o leste, para a Rússia, em busca do tão necessário alívio. Isto me inspirou a escrever sobre como “Sputnik V é o antídoto (não uma arma russa) para uma guerra híbrida na Ucrânia” no início do ano, embora seja extremamente improvável hoje em dia que Kiev concorde em cooperar com Moscou a este respeito.
As falhas estratégicas dos EUA
Os EUA não só falharam em seu grande objetivo estratégico de “isolar” a Rússia nos últimos sete anos, como visto pelo bem-sucedido ato de “equilíbrio” de Moscou em toda a Eurásia que foi iniciado em resposta, como também provou ser incapaz de convencer Berlim a sabotar o Nord Stream II, o incorporando na atual Guerra Híbrida alemã contra a Rússia. O país da Europa Central, por sua vez, continua a se envolver pragmaticamente com a Rússia em várias questões de importância, incluindo o Nord Stream II e mais recentemente explorando a possibilidade de comprar a Sputnik V, embora seu silêncio diante da última desestabilização no Donbass pode preocupantemente ser interpretado como uma carta branca por Kiev. No entanto, o lado bom é que a Alemanha não condenou a Rússia pelas recentes escaladas como outros países, e esta observação diz muito respeito aos EUA. Considerando a rapidez com que a “diplomacia das vacinas” da Rússia está atraindo novos parceiros na Europa, não se pode descartar que os EUA queiram provocar uma crise na Ucrânia oriental, de modo a tornar politicamente impossível a cooperação russo-UE sobre a Sputnik V.
Rumo a uma reaproximação entre Rússia e a UE?
Isto não deve soar tão surpreendente para o leitor se tiver tempo para refletir sobre a visão que acabou de ser compartilhada. A “diplomacia da vacina” é a maneira mais rápida de entrar em parcerias estratégicas com outros estados ou reforçar de forma abrangente dentre aquelas que já existem. Os interesses da Rússia em relação à Europa sobre isso repousam em seu desejo de influenciar de forma branda sobre esses países para reduzir e, em última instância, levantar o regime de sanções liderado pelos EUA que foi imposto após a reunificação da Crimeia em 2014. Moscou também gostaria que os países europeus mostrassem mais consideração por seus legítimos interesses de segurança, não estendendo o tapete vermelho para a expansão sem precedentes da OTAN liderada pelos EUA ao longo da periferia ocidental da Rússia. Estes dois desenvolvimentos liderados pelos EUA nos últimos anos – sanções e expansão militar – causaram uma crise nas relações Rússia-UE, uma crise pela qual Bruxelas tem responsabilidade parcial, pois aceitou de bom grado a pressão de Washington. Sua subserviência às exigências estratégicas norte-americanas tornou tudo muito pior.
Os planos do soft power da Rússia
Talvez a importância estratégica mais imediata da “diplomacia de vacinas” da Rússia seja que ela poderia conquistar inúmeros corações e mentes na Europa e, portanto, criar um ambiente social de base favorável para facilitar o eventual levantamento das sanções anti-russas por parte desses governos e sua gradual redução da expansão militar da OTAN liderada pelos EUA na região. Afinal, pode ser que em breve a Sputnik V seja responsável por salvar um número incalculável de vidas no continente, paralelamente facilitando a reabertura econômica do bloco, o que melhoraria muito a vida de centenas de milhões de cidadãos da UE. Pode ser muito difícil para esses governos justificar sua decisão de continuar “castigando” a Rússia por meios econômicos e militares depois que Moscou os salvou do pior dos estragos da Guerra Mundial C, o que assusta os EUA pra valer, uma vez que assume, com razão, que isso poderia levar ao declínio irreversível de sua influência hegemônica ali. Segue-se assim, logicamente, que os EUA têm um interesse urgente em provocar uma crise para tornar este cenário politicamente impossível.
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Andrew Korybko é Analista político norte-americano radicado na Rússia. Especialista no relacionamento entre a estratégia dos EUA na Afro-Eurásia; a visão global da conectividade da Nova Rota da Seda e em Guerra Híbrida
Originalmente em OneWorld.press